quinta-feira, 27 de maio de 2010

- “A época do caju chegou.
A época do caju foi embora.
Você não apareceu.
Chorei pensando que não vinha mais.”
(Irma, minha amiga do Vale do Catimbau)


Estou em Recife desde o primeiro dia do ano. Vi a maré encher e a maré baixar por vezes incontáveis, vi a cidade toda começar a se enfeitar para o carnaval, encontrei amigos inesperados e amigos que eu estava cheia de saudade no peito, vi e vivi muitas coisas e dentre essas coisas vi também a Cia Parati pousar nessa cidade que é metade de mim. Entre se adaptar, arrumar, encontrar e caminhar, num dia inesperado eu estava ali, no meio da ‘companhia’ abrindo uma roda no Parque da Jaqueira. Nada combinado: Aconteceu.
Passei a ser uma integrante temporária: Toda inteira, com meu figurino diferente , destoando, desequilibrando, mas junto.



Nos tempos livres, de cara limpa, íamos juntos repensando e refazendo coisas, adaptando, inventando. Ficamos todos os cinco juntos? Qual o desejo de cada um? E se nos separássemos? Pronto!
São dois pra lá e dois pra cá, igual valsa, mas num desses dois cabe mais um: Que era eu.
Divididos e juntos.
Gaiato e Zuza.
Cavaco, Tamis Liudis e Severina.
Fomos para a vida, com a cara (pintada) e a coragem. Era um recomeço para eles e um começão para mim. Aonde tudo isso ia dar?



Em Boa Viagem, aquele casal do prédio ao lado da Praça:
“Vimos da Janela que vocês tinham chegado e descemos correndo. Agora vamos para casa ver o fim da ‘Fazenda’.”



No Parque da Jaqueira, o segurança que para sua ronda e fica sorrindo escondido, depois disfarçadamente continua seu trabalho como se não tivesse encontrado nenhum palhaço no caminho.



E chegou o grande dia! O dia que por mais de um ano, é por mim, o dia mais esperado.
A travessia até o sertão.
De Recife a Buíque.
Com nossas malas e corações partimos.
Marília no volante. Amiga querida, fotógrafa, palhaça de alma.
Primeira parada: Feira de Caruaru. Para uma possível roda que não aconteceu. Pouca gente, muito sol. Almoçamos na casa da Marília, e eu, cai doente. Febre mais quente que o sol, frio que não se sente por aqui. Dormi por duas horas, era preciso partir. Saímos em direção a Pesqueira, cidade que onde mora meu pai.



Com a noite chegando chegamos a Pesqueira, a última cidade do Agreste. Eu, e minha ressaca de febre, não agüentei sair de casa, fui dormir enquanto Anderson, Tâmara e Marília foram desbravar a cidade.



Eles fizeram uma roda e foram até dar uma entrevista na Rádio Comunitária Urubá, isso fiquei sabendo meio sonolenta, quando voltaram para casa.
No dia seguinte, bem cedo, nos arrumamos e enquanto colocávamos nossas bugigangas no carro as crianças da rua da casa do meu pai (no Bairro Central) começaram aparecer. Muitas.



Combinamos com elas que dali uma hora aconteceria uma brincadeira por ali. Fomos para o centro da cidade, demos uma volta pela feira e seguimos para a Praça Jurandir de Brito, Tamis Liudis conseguiu uma carona e nós fomos a pé.



Abrimos uma roda para as pessoas que ficam esperando a Toyota para levá-las de volta ao sítio.



De volta ao Bairro Central meu coração quase parou. As crianças que nos abordaram assim que amanheceu o dia estavam nos esperando na rua, e a maioria delas com o nariz pintado de vermelho, esperando a brincadeira.



O sol já estava de rachar o coco do Palhaço. Em busca de uma sombra encontramos um beco, com uma faixa de sombra, onde as crianças cabiam. E simbora brincar.



Meu coração ficou repleto de alegria, de repente tudo passou a fazer mais sentido do que nunca. A brincadeira só acabou porque Tamis Liudis ficou nervosa e quando fica desse jeito ela não para de soltar pum. Todo mundo correu para se proteger, cada um escondido em sua casa e Tamis Liudis direto para o banheiro.
Coração na mão seguimos em direção ao nosso destino final: Buíque – Vale do Catimbau.
Depois de 1 hora e meia de viagem encontramos a estrada de terra que nos levaria ao Vale... Eu tremia toda. Por quê?
Sim... Em Janeiro do ano passado estive por lá, de cara limpa, para conhecer e encontrar. Fiz dois grandes amigos: Lomé, guia da Reserva do Vale do Catimbau fazedor de mel e Irma de oito anos. Irma foi a melhor companhia no tempo que estive por lá e antes de minha partida me levou ao Cajueiro e me entupiu de caju. Disse a ela que voltaria para o ano.
Voltei exatamente do jeito que queria: Para brincar!
Os 20 km da estrada de terra pareciam não ter fim. Enfim, chegamos.
Corri para ver Irma e quando nos encontramos foi só sorriso e abraço.
- A época do caju chegou. A época do caju foi embora. Você não apareceu. Chorei pensando que não vinha mais.
Não pude dizer nada.
Na parede da casa dela tem pendurada uma foto da Severina que Marília deu de presente a ela quando esteve por lá no Inverno passado.
Passamos a tarde toda juntas, com Marília, Jamile e Lívia também. A brincadeira já tinha começado. E a tarde voou, o sol se acalmava na beira do céu quando Cavaco, Tamis Liudis e Severina saíram para chamar as pessoas até a praça.



Brincamos até a noite cair e tudo ficar bem escuro. As crianças se manifestavam em cada gesto, cada tropeço, cada tapa e nós nos divertíamos tanto quanto elas.



E com a noite nos mandando para casa nossa travessia terminou. Aos poucos e demoradamente as crianças foram voltando para as suas casas. Irma me abraçou com os olhos de lágrimas e levou embora com ela um pedaço grande de mim. Fiquei em silêncio até perder de vista, dentro de mim era um turbilhão. Ali, nas areias do Vale do Catimbau encontrei a mim, o meu caminho, senti a maior alegria que nunca senti e nem sei explicar porque era a soma de tudo de mim, e foi assim, com meu coração repleto de amor que terminou meu ciclo com a Cia Parati.
Obrigada por essa parceria e por essa travessia que juntos fizemos.



Fotos de Marília Chalegre
(postado originalmente em fevereiro de 2010)

Quem é a Cia Parati?
A Cia Parati nasceu com o encontro de quatro amigo-artistas: Anderson Machado, Felipe Andrade, Rafael Napoli e Tâmara Lima, que se conheceram no PFPJ (Programa de Formação de Palhaços para Jovens) dos Doutores da Alegria. Em Dezembro de 2009 eles partiram numa Parati rumo à Paraty no Rio de Janeiro com um espetáculo de rua na bagagem. Ficaram um mês na cidade fazendo apresentações nas praças. Em Janeiro de 2010 partiram para Recife (a Parati ficou para trás) para realizar o mesmo trabalho. E lá nos reencontramos e nos juntamos para essa aventura narrada.
Blog da Cia Parati

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